
Matronas, nonas, parteiras, católicas devotas, referências na comunidade. A influência das mulheres nas colônias italianas, que se estabeleceram na Serra há 150 anos, foi uma das forças essenciais para a prosperidade na região. Responsáveis pela criação dos filhos, à frente dos negócios familiares, cultivando a terra ou cuidando da casa: a atuação das imigrantes permitiu a constituição essencial da cultura, propagação da religião e tradições que identificam a Serra.
Conforme a pesquisadora e professora Vania Herédia, o papel de cuidadora atribuído à mulher é o ponto central dessa difusão que perdura um século e meio. Isso porque na rotina das colônias recém-estruturadas, eram elas quem acompanhavam de perto as novas gerações e reavam o conhecimento ancestral trazido da Itália.
— O fato de a mulher ficar próxima das crianças faz com que ela fosse a responsável pela reprodução da cultura e isso envolve hábitos, o jeito como eles viviam, como falavam, o que comiam, onde se divertiam, como rezavam — explica.
Conforme a professora, a propagação do talian começou com a relação entre as matronas e os filhos, ganhando força no contexto social das famílias e da comunidade local, onde todos compartilhavam o então dialeto. O mesmo se aplica à religião, que além da fé, trazia aspectos educacionais e comunitários.
— Esses hábitos, carregados na imigração, tiveram a continuidade garantida pelas mulheres, porque a manutenção cultural só existe se alguém cuida. Então, na educação, eram as mães e nonas que reavam valores importantes à família, assim como aspectos religiosos, as orações e o hábito de rezar — pontua.
Até mesmo a rotina de trabalho, por vezes despercebida como banal, teve influência na constituição cultural e indenitária da Serra. O cuidado com a casa e a labuta na roça desempenhadas com rigidez pelas mulheres constituíram o pano de fundo cultural, no qual o trabalho é tido como orgulho.
— As mulheres acreditavam nessa cultura que representavam e por isso não havia espaço para mudanças. Diria que tanto a mãe como a nonna simbolizavam estereótipos muito fortes na cultura italiana. Em resumo: foram propagadoras estratégicas do que vemos até hoje — destaca a professora.
A força feminina da transformação
Quando desembarcou no Brasil em 1877, com sete filhos, a viúva Anna Rech possivelmente não imaginava a influência que exerceria no desenvolvimento regional. Considerada uma das pioneiras no empreendedorismo na Serra, Anna também teve papel fundamental no desenvolvimento educacional e religioso da comunidade que leva seu nome.
O livro Origens e descendência de Anna Pauletti Rech, escrito pelo padre João Leonir Dall’Alba, traz relatos que indicam o favorecimento da construção da primeira igreja da comunidade, bem como do colégio pela viúva. Segundo o padre, Anna loteou os 25 hectares que possuía em prol da localidade, doando um terreno para a construção do espaço religioso.

A pousada e armazém abertos junto à casa em que morava com os filhos, se tornaram ponto de referência para os tropeiros que ali avam. A visão empreendedora de Anna foi o ponto inicial para o nascimento de uma das localidades mais célebres de Caxias do Sul e região.
— Sem a influência dela, Ana Rech nunca teria se tornado o que é hoje. Ela foi uma mulher muito bondosa com a comunidade, tanto pela doação dos terrenos para a igreja e cemitério, quanto pela iniciativa. Depois da hospedagem dos tropeiros, muitas pessoas começaram a se estabelecer aqui e construir suas casas ao redor da hospedaria. Anna Rech foi fundadora e nos legou esse lugar — argumenta o ex-subprefeito Valter Susin.
Pioneirismo como liderança
Em 1886, era rara a presença feminina fora do ambiente do lar ou do campo. Mas isso não pediu Luigia Carolina Zanrosso Eberle de se unir ao marido Giuseppe na antiga funilaria da família. No livro Nossas Mulheres de Maria Abel Machado e Leonor Aguzzoli, Gigia é descrita como uma conhecedora de técnicas de trabalho na funilaria, habilidade que aprendeu ainda na Itália, antes da imigração.
Fato é que a matrona dos Eberle foi atuante no negócio, situado no centro de Caxias do Sul, por cerca de 10 anos. Foi nesse período que ela se tornou uma mestre funileira e ou a ser reconhecida por Gigia Bandera — Gigia Funileira, em tradução livre.

Anos depois, em 1896, Gigia não teve dúvida em intermediar a compra da funilaria entre o esposo e o filho Abramo, já que Giuseppe ansiava focar apenas na agricultura. Conforme as autoras, a dedicação de Gigia foi determinante para o futuro da Metalúrgica Eberle, uma das principais indústrias que promoveu o crescimento de Caxias do Sul.
— Há algumas mulheres que souberam retratar a força do trabalho em sua vida. Gigia Bandeira foi uma delas. Ela acreditava que o trabalho na funilaria era necessário para a colônia e, mesmo que o marido, naquele momento não tivesse mais interesse, ela começou a cuidar do negócio. Gigia foi responsável por rear muitos detalhes do ofício para o filho Abramo, que anos depois usa esse conhecimento para alavancar a fábrica.
O futuro legado
Quanto a intervenção de uma mulher pode influenciar no futuro de uma empresa? No caso da Tramontina, foi determinante. A indústria, fundada em 1911 por Valentim Tramontina, encontrou em Elisa De Cecco, esposa dele, a força que precisava para se manter atuando.
No ano de 1939, a empresa já estava estabelecida e com produção robusta em Carlos Barbosa quando o fundador falece. Elisa, então, decidiu assumir o negócio e garantir a continuação do legado do esposo.

Registros da própria empresa indicam que Elisa ou a percorrer a região da Serra e de Porto Alegre em busca de mercado consumidor para os produtos da marca. A iniciativa empreendedora permitiu à Tramontina sobreviver durante a Segunda Guerra Mundial. Ainda, foi sob a direção de Elisa que a indústria começou a mecanização na produção.
Cerca de 10 anos após ter assumido o negócio, Elisa aceitou o filho Ivo Tramontina e Ruy J. Scomazzon, como sócios. A partir de então, os investimentos em tecnologia alavancaram a produção e ampliaram o campo de atuação da empresa. Elisa faleceu em 1961, deixando como herança o futuro de uma das maiores companhias da Serra e do país.