
Democrático e versátil, do despojado à alta-costura, e representante de uma identidade nacional. Essas são algumas das características de um material têxtil que representa a essência brasileira: o jeans. A história, cadeia produtiva, pessoas envolvidas e perspectivas para o futuro foram reunidas no livro O Jeans do Brasil, idealizado pela pesquisadora caxiense Beth Venzon, ao lado de Giuliana Castelo Branco, Gabriela Cirne Lima e Jussara Romão. A obra, de 400 páginas, foi lançada em Caxias do Sul na última terça-feira (3), na Loja Magnabosco.
A pesquisa, que começou em 2021, durante a pandemia de covid-19, revelou um universo completo, único e nacional do denim. Durante uma live nas redes sociais, as pesquisadoras perceberam que o país carecia de um registro histórico que contasse os os e crescimento do tecido.
— É uma história muito rica e muito grandiosa, porque o Brasil é um dos únicos países no mundo que tem a cadeia inteira de produção do jeans, desde o plantio do algodão. Tem o algodão, faz o fio, faz o tecido, faz a roupa e a comercialização dela — explica Gabriela Lima, uma das autoras do livro e também CEO do Grupo Malwee.
Com uma história recente, mas que já faz parte da identidade da moda nacional, o jeans atravessou gerações e estilos. Da roupa de trabalho, ao shortinho para praia ou momentos casuais, às jaquetas coringas e chegando até a alta costura, mais recentemente, as possibilidades de criação com o material se mostram, cada dia, mais diversas e democráticas.
— O jeans é um produto muito democrático. Ele atrai o interesse de muitos públicos e é uma peça que representa muito o Brasil, porque é um produto que o brasileiro usa e gosta. É uma relação de identidade, um jeito de vestir o brasileiro. É uma peça que está no guarda-roupa da maior parte dos brasileiros. E ganha facilidade de uso por ser personalizado. Cada pessoa acaba construindo o seu jeito de usar o jeans. Muitas vezes, as próprias marcas também acabam criando, personalizando o seu jeito, colocando o seu DNA — afirma Gabriela.
As vozes do jeans

Resultado de cinco anos de entrevistas, pesquisas bibliográficas e mercadológicas, O Jeans do Brasil traz, em seis capítulos, a história, origens e contextualização da cultura do material, a cadeia produtiva e as pessoas envolvidas na produção e também o consumo.
Para se ter uma ideia, foram ouvidas mais de 100 pessoas para essa escrever o livro e, mesmo em 400 páginas, as autoras consideram que não foi possível transmitir toda a história das pessoas envolvidas com a cadeia produtiva do jeans nacional.
— O livro é importante tanto para quem gosta do assunto moda, como para quem é curioso de entendermos mais quem nós somos e como nós chegamos onde estamos. Por que o jeans é importante. O denim como tecido e o jeans como produto — resume Beth Venzon, consultora e pesquisadora de moda.
— Também, como tudo começou no Brasil. Como as tecelagens começaram o grande movimento na época. Não existiam marcas. Existia o tecido, que se comprava nas lojas e você levava para a costureira. Esse era o processo — complementa Jussara Romão, escritora e pesquisadora.
O último capítulo do livro apresenta perspectivas para o futuro, mas também traz provocações ao leitor. A partir de um workshop com cerca de 80 pessoas do setor da moda, foram traçados os possíveis caminhos do denim nacional.
— A gente fez um cenário. O futuro do criar, do produzir, do comunicar, do comercializar, do consumir e do reutilizar. Porque em tese, o livro terminaria no consumir. Mas há vida pós-consumo. Então, essa questão da circularidade é muito importante e traz a questão da importância da reutilização — explica Gabriela.
Reconhecimento para a cadeia produtiva
Mais do que apenas um registro da história nacional, que é jovem mas já ou por diversas transformações, O Jeans do Brasil valoriza e reconhece quem produz desde o plantio e colheita do algodão até a produção em larga escala.

— É o reconhecimento de que nós temos uma indústria forte, importante e com muito futuro. Tem que haver esse reconhecimento, como isso tudo acontece, que força é essa, quais são suas características, os processos que ninguém sabe. Quanto mais eu aprendo sobre a indústria da moda brasileira, mais eu vejo que nós somos uma indústria feita por famílias — relata Jussara.
Para contar essas histórias, inclusive, as autoras criaram um podcast no Spotify, com o mesmo nome do livro, onde as entrevistas estão disponíveis na íntegra.
— O livro acabou sendo um recorte. A gente ou cinco anos pesquisando, mas o conteúdo é infinito. Começamos a pensar que essas histórias precisam estar públicas. É tão rico. Esse livro é muito mais do que uma história do jeans, é uma história de vida de um segmento. As pessoas que acreditaram, se apaixonaram por um tecido. O mais interessante é que esse setor dá oportunidade. São pessoas que começam de forma muito simples — orgulha-se Gabriela.
— É um trabalho muito vivo. O processo dessa construção, daquilo que realmente teria significado. Da grande indústria, nas tecelagens e de confecções ao micro, porque o setor dá oportunidade para quem quer começar. Tem muita gente começando e se transformando — complementa Beth.
Protagonista através dos tempos
ando de geração em geração, do básico ao fashion, da roupa de trabalho e brim coringa ao street style e à alta costura, o jeans se mantém como um dos protagonistas da moda brasileira. Com possibilidades quase infinitas de customização, lavagens e modelagem, o tecido agrada desde os mais clássicos até quem busca por peças exclusivas.
— Ele é muito democrático. Um produto é feito de matéria prima, modelagem, no caso do jeans, de lavanderia, o beneficiamento que a gente chama, que são as técnicas de lavagem. Tem toda a parte de aviamentação, com os botões, bordados e etiquetas. Envolve todo o processo criativo, porque ele sai daquela roupa de trabalho para começar a definir coleções. Ele começa a navegar em outros horizontes — define Gabriela.

Cronologia no Brasil
1948
- Primeira calça jeans brasileira, a rancheira, é apresentada pela marca AB, de São Paulo.
Anos 1950
- A partir de 1956, se popularizam novas propostas.
- Destaque para o modelo Far-West, da Alpargatas, feito em brim coringa, um material pesado e resistente, considerado o primeiro denim nacional.
Anos 1970
- Nasce, em 1972, o primeiro denim índigo blue no país, com a marca Ustop.
- No mesmo ano, o empresário Nelson Alvarenga funda a Ellus, reconhecida por traduzir a atitude de uma geração com a combinação de jeans e camiseta.
- Em 1973, é lançado o famoso jeans da Soft Machine, assinada pelo designer Teddy Paez.
- Em 1978, a Staroup aparece na abertura da novela Dancin’ Days, deixando sua marca na história.
Anos 1980
- Consolida-se o jeans no outfit jovem como objeto de desejo.
- Lavagens como stone washed (com pedra, para um aspecto desbotado) e modelagens como a baggy ganham espaço, assim como a chegada do elastano para dar mais maleabilidade ao algodão.
- Se destacam marcas como Forum, Yes Brazil, Dijon, M. Officer, Pool e Zapping.
Anos 1990
- O jeans aparece com potência na mídia especializada, nos lookbooks de grifes e no visual do dia a dia das supermodelos.
Anos 2000
- Já com status de item ível e democrático, o jeans firma seu papel como peça-chave para todos os gêneros e faixas etárias. É reconhecidamente a peça que nunca sai de moda.
- Em 2022, a pauta da sustentabilidade lança luz às técnicas de reaproveitamento, fortalecendo ainda mais a indústria e o varejo do segmento.