• em 2013, o número de divórcios entre pessoas com 60 anos ou mais era de 49.936 
  • dez anos depois, em 2023, foram registrados 90.150
  • Isso representa um crescimento de aproximadamente 80,5%
  • 60Mais

    Longe de ser apenas uma estatística, esse movimento revela transformações culturais, jurídicas, emocionais e econômicas que estão redesenhando o conceito de casamento e longevidade afetiva. 

    Por que os idosos se divorciam?

    Segundo o advogado Rolf Madaleno, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), algo que contribui para o aumento é o fato de que hoje se divorciar é mais fácil, rápido e representa menos gastos do que antigamente. 

    Desde a aprovação do divórcio em 1977, ando pela simplificação dos trâmites legais que eliminaram a obrigatoriedade do desquite prévio e da demonstração de culpa —  até 2010, era necessário discutir os motivos do rompimento, expondo a vida no processo judicial —, até os dias atuais, com a possibilidade de divórcio extrajudicial e até mesmo unilateral, romper um casamento nunca foi tão simples.

    Além disso, o estigma social que antes recaía sobre os divorciados, especialmente as mulheres, praticamente desapareceu.

    — As pessoas divorciadas eram muito discriminadas. Hoje isso não existe. No meu tempo ser filho de pai divorciado no colégio era constrangedor. Agora, quase todos são, então desapareceu aquele peso cultural — afirma Madaleno.

    O aumento da independência financeira feminina e da expectativa de vida também têm sua parcela de responsabilidade. Estar vivendo mais, com mais autonomia e cuidando bem da saúde dá mais margem para que as pessoas se interessem em rever seus laços afetivos e, quem sabe até, começar um capítulo numa nova história de amor. 

    É o que explica a psicóloga Rosângela Martins, especialista em psicoterapia de orientação psicanalítica e experiente em grupo de terapia para idosos:

    — As pessoas de 60 anos ou mais estão, muitas delas, com bom estado de saúde e bastante consciência e responsabilidade para consigo e, assim, se sentem potencializadas a quererem mais da vida.

    A mulher como protagonista

    O divórcio grisalho, muitas vezes, acontece entre casais que estavam juntos há décadas, que construíram patrimônio em conjunto, criaram os filhos e os viram sair de casa e, com a chegada da maturidade, optam por uma chance de recomeçar, a sós ou com outra pessoa. Tanto Madaleno quanto a psicóloga Rosângela concordam em um ponto: na maioria das vezes, são as mulheres que iniciam o processo de separação.

    A pessoa, quando bem decidida com relação à separação, ganha um ânimo novo e especial, e este estado de humor é um combustível para se lançar em novas oportunidades

    ROSÂNGELA MARTINS, PSICÓLOGA

    — Elas são as primeiras a querer entrar numa relação e, geralmente, as primeiras a sair. Elas buscam as amigas para dividirem seus problemas, pedem ajuda com mais facilidade, enquanto a educação dos homens, principalmente desta faixa etária, é mais engessada. Foram ensinados a não demonstrar fragilidades — diz Rosângela.

    Por medo da solidão ou da perda da estrutura familiar e doméstica, os homens, por sua vez, tendem a resistir mais à separação. Segundo Madaleno, isso se relaciona também com o temor de perdas concretas:

    — Os homens quase nunca promovem o divórcio porque para eles é algo que representava perdas, da convivência com os filhos, na divisão dos bens e por terem que pagar pensão. Mas isso está bastante diferente nos dias de hoje, as pessoas estão mais independentes, a tecnologia ajuda a encurtar distâncias e há guarda compartilhada.

    Quando o casamento deixa de fazer sentido

    Muitos casais quando chegam à maturidade simplesmente não encontram mais sentido em continuar juntos: a ausência de afinidade e de um projeto em comum, na opinião da psicóloga Rosângela, é o principal fator que pesa para os pedidos de divórcio.

    — Tendo amadurecido a decisão e sentindo-se capaz de seguir em busca de realizações que não são compatíveis com o relacionamento atual, decidir pela separação é a decisão mais sábia. Abafar este desejo de viver, por medo, e ficar dentro de uma relação infeliz, é um campo propício para depressão e doenças psicossomáticas — detalha a psicóloga.

    Aos 76 anos, a professora aposentada Neisa Ramos Vaghetti mora sozinha em um apartamento em Viamão, dirige seu carro e é superativa, frequenta aulas de pilates, ioga, musculação e participa do grupo da Maturidade Ativa do Sesc Viamão desde 2018. Mas essa fase, cheia de movimento e descobertas, começou com um silêncio: o da separação não formalizada com o marido, a quem chama carinhosamente de “marido-ex”.

    — Morávamos juntos numa boa casa, mas aí o ninho foi se esvaziando, os filhos casaram... e a gente começou a se dispersar. Teve um dia em que falei: “Temos quartos sobrando, então eu vou dormir em outro. Se quiser que eu volte, me chama”. Mas esse chamado nunca aconteceu — relembra.

    A separação não foi simples, nem abrupta. Ainda conviveram por muitos anos sob o mesmo teto até Neisa decidir sair de vez. O desgaste emocional, as mágoas e a sensação de abandono vieram acompanhados da menopausa e a levaram a um princípio de depressão.

    — Fui fazer terapia porque mesmo separada, tem aquela coisa da autoestima, do abandono, me senti abandonada e entendi que eu não merecia me sentir assim — relembra.

    Temos quartos sobrando, então eu vou dormir em outro. Se quiser que eu volte, me chama”. Mas esse chamado nunca aconteceu

    NEISA RAMOS VAGHETTI, PROFESSORA APOSENTADA

    A principal virada aconteceu quando botou em prática o desejo de ter um espaço só seu. Comprou um apartamento na planta, onde vive há 10 anos. Quando se aposentou, em 2018, fazer amigos no grupo da Maturidade Ativa “foi o céu”. Encontrou ali vários amigos.

    Apesar da vida independente, ela continua frequentando o sítio onde o ex-marido vive. Cuida dele quando está doente, participa das reuniões de família e mantém uma relação afetuosa com filhos e noras. É a versão de separação que coube na sua dinâmica de vida e no seu coração.

    — A gente não é mais casal, mas é família. E família é tudo de bom na vida. A mágoa fica, mas o perdão já aconteceu. Perdoar é não querer ver a pessoa na pior — afirma Neisa.

    Como recomeçar

    Apesar dos ganhos de liberdade e bem-estar, o divórcio cinza não é isento de dificuldades. Entre os principais desafios estão a solidão, o medo do novo, a perda do círculo social construído em torno do casal e até a culpa, especialmente quando a decisão é unilateral. Algo fundamental para encarar esse período é buscar socializar e fazer novos amigos.

    A ajuda terapêutica também pode ser uma boa ideia para ajudar a compreender os sentimentos envolvidos, amadurecer a decisão e encontrar estratégias para seguir em frente com mais segurança. Se por um lado o divórcio grisalho pode representar a ruptura de uma longa história, por outro, é frequentemente a porta de entrada para uma vida com mais sentido:

    — A pessoa, quando bem decidida com relação à separação, ganha um ânimo novo e especial, e este estado de humor é um combustível para se lançar em novas oportunidades. Há um ar de encantamento de novo com a vida —afirma Rosângela.

    Para quem está pensando em se separar na maturidade, a professora aposentada Neisa tem um recado:

    — Se a pessoa está há muito tempo em uma relação que a está fazendo sofrer, acho que é hora de se posicionar, tomar uma atitude. Pode ser conversando com o parceiro, se aconselhando com a família. É sobre aprender a viver um pouco mais para si. 

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