
Diante do escândalo bilionário do INSS, lulistas e bolsonaristas parecem engajados não em compreender o problema, mas em vencer uma disputa retórica sobre quem tem mais culpa. Tanto faz se os velhinhos vão recuperar a grana surrupiada: o que move o debate é um prazer quase pornográfico de mostrar que a indecência e a corrupção só existem do outro lado.
Nada disso é racional. É uma questão de identidade, de proteger as certezas que cada grupo fabricou. Lacan dizia que todo sujeito, para não desabar, precisa se agarrar a uma imagem idealizada de si mesmo. Precisa acreditar que é honesto, justo, coerente — mesmo que só consiga fazer isso distorcendo a realidade.
Quer dizer: o que está em jogo não é a autoria da falcatrua, mas a segurança, o conforto e as convicções de quem se recusa a enxergar podridão onde depositou sua fé. Reconhecer que o próprio campo político foi leniente com a fraude — ou cúmplice dela — seria dar adeus à velha fábula do Bem contra o Mal. Mas, para quem realmente se importa com a verdade, os fatos são inquestionáveis.
Foi no governo Bolsonaro que se abriu a porteira: convênios com entidades suspeitas se multiplicaram, a fiscalização afrouxou e armou-se o ambiente ideal para a tramoia prosperar. No governo Lula, o que era desvio virou método: os descontos dispararam, os alertas foram ignorados e o esquema cresceu em escala industrial. Se um cavou o buraco, o outro fez virar cratera. Quando decidiu agir, a atual gestão parecia pedir desculpas por acabar com a festa.
A essa altura, talvez fosse produtivo discutir por que, governo após governo, seguimos reproduzindo uma máquina pública tão vulnerável a maracutaias. Por que estruturas tão complexas, cheias de siglas e departamentos, ainda servem de arela para atravessadores e esquemas de extração de recursos? Só que aí vem o de sempre: dependendo do investigado, toda apuração vira complô, toda punição tem lado, toda ação do Estado é conspiratória.
E, quando tudo parece armado, a impunidade se fortalece — porque, no barulho das torcidas, a meta é vencer o adversário, não vigiar quem está no comando. Mas as instituições precisam cumprir seu papel, mesmo sob gritos de perseguição. A verdade não precisa agradar a ninguém: só precisa sobreviver.