
Em 20 de maio de 1875, os primeiros imigrantes italianos chegaram ao Rio Grande do Sul, mais especificamente ao Campos dos Bugres (Caxias do Sul). De acordo com o Governo do Estado, o primeiro ciclo imigratório aconteceu entre 1875 e 1914, totalizando 84 mil pessoas vindas, principalmente, da Lombardia, do Vêneto e do Tirol.
Imigração é um movimento de profundo impacto, tanto para quem parte, quanto para quem recebe. O processo exige coragem, afinal, entrar em um país estrageiro em busca de qualidade de vida é uma decisão fundamental.
Na época, italianos enfrentavam uma grave crise social, especialmente em áreas rurais, encontrando, no Brasil, a promessa de terras e de trabalho. Uma série de fatores políticos explicam o incentivo da imigração europeia, que, entre tantas motivações, corroborou para a mistura rica da qual os brasileiros são feitos.
Trouxeram consigo a herança cultural da mesa farta, do vinho e da criatividade como forma de suprimento. Cravaram fundo as raízes e as tradições da Itália no solo gaúcho e construíram uma identidade única.
Não à toa, 150 anos depois, o legado vive e emociona quem encontrou, aqui, afeto, dignidade e moradia. É o caso da família da dona Odete Bettú Lazzari, proprietária da Osteria Della Colombina – restaurante eleito um dos cem melhores do país pela revista Exame Casual.

Portas do lar
A mais de 112 quilômetros de distância de Porto Alegre, Garibaldi acolheu a primeira leva de imigrantes italianos. Entre eles estava a família Bettú.
– Meus bisavós se instalaram aqui. E de geração em geração, com a agricultura, nos mantemos na propriedade original – compartilha a filha mais nova, Raísa Bettú Lazzari.
Cercada pelo sítio familiar, com árvores frutíferas, galinhas, mesas rústicas e afeto, a casa de cor azul-claro suave expressa exatamente o que deseja: acolhimento. No primeiro piso, o lar de dona Odete e a cozinha do restaurante. No porão, longas mesas, chão batido, louças e móveis originais do século 19 e retratos desenham um cenário fiel da imigração italiana. O ambiente narra uma história e quem estiver de ouvidos atentos e peito aberto consegue ouvi-la.
– Já são 24 anos trabalhando com gastronomia e turismo rural. E a Osteria é o reflexo de toda esta história – afirma Raísa.
Destaque nacional
Além da matriarca, as quatro filhas se envolvem no negócio, que se tornou um símbolo familiar. Os pratos contêm cerca de 75% de ingredientes de produção própria, tornando o preparo artesanal e intencional.
A experiência transcende o prato à mesa. Promove uma reflexão de cultivo alimentar, de serviço e de referência histórica. Não à toa, em 2025, o restaurante foi reconhecido, pela terceira vez, como um dos cem melhores do Brasil pela revista Exame Casual.
Temos respeito à sustentabilidade. Servimos afeto. E é gratificante receber este reconhecimento. Nos estimula a sempre fazer o melhor para quem está em nossa casa. Literalmente abrimos as portas para compartilhar a nossa casa.
RAÍSA BETTÚ LAZZARI
Caçula da família.
Origens e legados
Ao ficar viúva repentinamente, aos 47 anos, Odete, mãe de quatro gurias, precisou se reinventar. Arrendou os vinhedos, vendeu o gado leiteiro, mas não foi o suficiente para sustentar a família.
Então, no fim de 1998, ouviu um anúncio no rádio sobre o fomento do turismo rural na cidade. A ideia consistia em profissionalizar os agricultores para produção de compotas, geleias, vinhos, queijos e demais produtos artesanais, estimulando turistas à visitação local.
A partir disso, dona Odete percebeu que os turistas desejavam viver experiências autênticas e se nutrir de comida afetiva. Envolvida na cozinha desde a infância, se propôs a resgatar e a servir a gastronomia de origem, demonstrando, por meio do ambiente e da personalidade, uma identidade de valor.
– As pessoas buscam autenticidade e minha mãe percebeu isso. Ela foi visionária.
Cheiro de infância
O cardápio apresenta pratos resgatados da memória da matriarca, que aprendeu, desde cedo, a importância de um prato que nutre o corpo e a alma.
As famílias eram grandes e eu ajudava a minha mãe. Percebi que aquilo me atraía. Via a mãe e as vizinhas terem essa preocupação com a comida, porque as pessoas trabalhavam muito e precisavam ser saciadas. Agora estou neste contexto e sigo sentindo o prazer, as emoções e os cheiros daquele tempo. Estou feliz, porque vejo que se sentem felizes aqui e não tem moeda que pague essa sensação
ODETE BETTÚ LAZZARI
Matriarca da família e proprietária do restaurante.

Alma no prato
Provocar sentimentos e mexer com o íntimo das pessoas sempre foi o desejo de Odete, que, ao lado da filha Raquel, não dispensa o preparo longo das refeições. Leva-se uma manhã inteira para cozinhar os ingredientes, colhidos no sítio.
– Eu coloco na mesa uma comida de família, de mãe. Trabalhamos para motivar as pessoas a plantarem e a cultivarem. Este é o propósito da Osteria Della Colombina. É uma forma de homenagear nossos anteados. iro muito a força deles e de como saíram do sufoco e com a cabeça erguida – defende Odete.
Experiência que enriquece
Alicerçado no movimento slow food (comida lenta, em tradução livre), o restaurante serve carinho do começo ao fim. A paisagem, a decoração e o atendimento promovem a sensação de casa. A proposta é comer sem pressa, apreciar o consumo de alimentos orgânicos e aproveitar os bons encontros gerados pela gastronomia.
O almoço (R$ 175), servido em etapas, respeita a tradição dos descendentes de imigrantes italianos. Aliás, não aceitam cartões. Prepare-se com pix ou dinheiro.
Iniciamos com as bebidas. A água é do poço e os vinhos, sem rótulos, são de produção exclusiva das uvas da propriedade, que am por barricas. Pedimos um Chardonnay de fermentação natural, que traz a essência da uva, e um Cabernet Sauvignon 2024.
A carta também oferece o espumante A Guardiã, lançado neste ano e com nome em homenagem à pet da casa, e os tintos Cabernet Franc e Merlot e Syrah. Além disso, dispõe de opções de produtores locais, a fim de valorizar a agroindústria familiar.
O cardápio começa pela polenta brustolada, com queijo e alecrim – que estava crocante e perfumada. Na tábua, os embutidos fatiados (lombo de porco e salame italiano) se destacam.
Depois, a sopa de capeletti em brôdo, acompanhada de pão colonial – fresquinho e de produção artesanal. Aqui, um adendo: a quem não come carne, vale pedir a sopa de abóbora com ervilha – consistente e com muito sabor.

Logo chega a carne lessa (cozida na água da sopa) e a salada verde orgânica e biodinâmica.

Em seguida, o nhoque à três queijos, com salaminho defumado. Para os vegetarianos, o nhoque de tomate orgânico – uma delícia.
A galinha rostida, com polpa de tomate fresco, orgânico e biodinâmico é a estrela da mesa. Com quatro horas de cozimento, a proteína se desmancha no prato.

A polenta de farinha de milho orgânico com queijo parmesão para acompanhar encerram as entradas e os principais. Como opção à carne, uma fortaia, espécie de omelete, chegou à mesa – e que bom! Foi a melhor que já provei.
Então, vem a hora de pedir a sobremesa da casa: pudim de leite – sempre irresistível – e gelato de bergamota, com geleia da própria fruta e farofa de cuca. Uma surpresa agradável ao paladar, que, certamente, conquistou um lugar especial em minha memória.
Leve uma colombina
No Osteria Della Colombina tudo tem significado. Quando criança, dona Odete ganhava da mãe colombinas, aqui no Brasil, também chamadas de pombinhas, produzidas com a massa do pão. Segundo a matriarca, era uma forma de as crianças serem entretidas.
– Na época não tinha doces e isso era um agrado aos pequenos. Nos davam com tanto carinho, que mexeu comigo.
O ritual serviu de inspiração para criar o nome do restaurante, que presenteia todos os clientes como forma de manter viva esta tradição. Definitivamente, uma cozinha que respeita a terra, a história e o coração de quem a por lá.
OSTERIA DELLA COLOMBINA
Endereço: Linha São Jorge, s/nº, em Garibaldi.
Horário de funcionamento: sexta a domingo, das 12h às 13h30, mediante reserva.
Consultar agenda para atendimento durante a semana e/ou eventos.
Telefone: (54) 99121-1040
@osteriadellacolombina
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