Viajar, para mim, é muito mais do que se deslocar de um ponto a outro no mapa. Tudo que antecede a viagem em si já é encantamento. E foi assim que começou minha jornada ao Chile. Embarquei em Porto Alegre para chegar a Santiago. Aliás, voo direto da Latam, que sai sob um lindo céu noturno. Do alto, os picos nevados da Cordilheira dos Andes iluminados pela noite clara desenhavam a imponência da geografia que estava prestes a conhecer.
Logo no primeiro dia, mergulhei nos bastidores da aviação com uma visita ao Centro de Operações da Latam, em Santiago. Ali, entendi mais do que números e logística — percebi o quanto a hospitalidade é tratada como um valor essencial. Uma das iniciativas que mais me tocou foi o projeto gastronômico da companhia: cardápios exclusivos da classe executiva, criados por chefs mulheres da América Latina. Muitas ainda fora dos holofotes, mas agora ganhando visibilidade e protagonismo internacional. Essa escolha carrega um propósito claro: transformar o ato de servir em uma celebração da cultura, do sabor e da inclusão. Uma forma delicada e potente de mostrar que a experiência a bordo vai muito além do destino final.

Casa Las Cujas: frescor do Pacífico
Se o mar tivesse sabor, certamente, seria servido na Casa Las Cujas. No cardápio, tudo gira em torno da qualidade dos ingredientes. Peixes e mariscos chegam diariamente da costa chilena e os pratos são preparados com pescados capturados no mesmo dia. A corrente fria do Pacífico garante produtos de altíssimo padrão, com textura firme e sabor marcante. Entre as escolhas do almoço, estavam vieiras fresquíssimas, caranguejos suculentos, ouriços do mar, carpaccio de camarão e lagostim grelhado — todos executados com precisão e sem excessos, respeitando o protagonismo do produto. A apresentação é delicada, mas não pretensiosa. A proposta é essa: fazer o simples com excelência. O ambiente mistura elegância com descontração. É o tipo de lugar onde se pode fazer uma refeição com calma e com vinhos chilenos selecionados. Inclusive, a carta valoriza pequenos produtores e rótulos que conversam com a proposta marítima da casa. É o tipo de lugar que convida a repetir — e que prova que, no Chile, a gastronomia de verdade está cada vez mais ível.
Vinícolas chilenas: tradição, inovação e sustentabilidade
O Vale de Colchagua foi a alma do meu roteiro pelo enoturismo chileno. Cercado por montanhas imponentes, vinhedos a perder de vista e um céu de tirar o fôlego, vivi ali experiências que ultraam o simples ato de degustar um vinho — são encontros profundos com a terra, o tempo, as pessoas e as narrativas, que cada garrafa carrega esperando para ser revelados na taça.
Viña Santa Cruz: pioneirismo sustentável e conexão com a cultura
Minha imersão começou na Viña Santa Cruz, um projeto visionário que une vinho, energia limpa e tradição. Fundada em 2003, é considerada a primeira vinícola chilena 100% abastecida por energia solar. Também é uma das precursoras do enoturismo no país. O que mais me impressionou foi o cuidado com a valorização da cultura local: há até um teleférico que leva os visitantes ao alto de um cerro com réplicas de aldeias indígenas Mapuche, Rapa Nui e Aymara, celebrando os povos originários do Chile.
Nos eios, pude sentir como a vinícola busca oferecer mais do que degustações: propõe uma vivência. O museu de automóveis antigos e o museu do vinho são apenas alguns dos atrativos que fazem desse lugar um destino completo. A vinícola oferece também um bom restaurante, onde é possível degustar pratos bem executados e com ingredientes locais. Um ótimo programa para toda família, incluindo crianças que adoram o eio de charrete disponível.
Viña Vik: onde o vinho encontra a arte, a arquitetura e a alta gastronomia
A visita à Viña Vik foi uma verdadeira jornada sensorial. Localizada no Vale de Millahue — nome que significa “lugar de ouro” em mapudungun —, essa vinícola não é apenas um produtor de vinhos: é um projeto artístico, arquitetônico e gastronômico integrado à natureza, com uma visão de excelência.
Fundada em 2006 pelo empresário norueguês Alexander Vik, a vinícola nasceu com a missão de criar o melhor vinho da América do Sul, combinando ciência, terroir e estética. O resultado é impressionante: um edifício futurista com telhado de titânio, um hotel boutique com obras de arte em cada suíte e vinhos que expressam intenção e precisão.
Além dos vinhos extraordinários, a gastronomia da Vik é um espetáculo à parte. Ali, os ingredientes são orgânicos, colhidos diretamente dos jardins biodinâmicos da propriedade e trabalhados com um profundo respeito à sazonalidade e à identidade chilena. A proposta é oferecer menus criativos sustentáveis e alinhados com o terroir — como se a terra falasse tanto na taça quanto no prato.
No restaurante Milla Milla, onde jantei, cada prato parecia uma obra de arte. As apresentações são delicadas, mas sem perder a rusticidade e a autenticidade do sabor local. O serviço é refinado, mas acolhedor e a carta de vinhos, como se espera, apresenta preciosidades da casa, como o Vik, o Milla Cala e o La Piu Belle.
A filosofia por trás da gastronomia na Viña Vik é clara: comida e vinho devem dialogar com o lugar, com a história e com quem está à mesa. E, ali, tive a sensação nítida de que tudo faz parte de um mesmo plano — sofisticado, ousado e absolutamente encantador.
Vinícola Ventisquero: excelência orgânica com vista para o pôr do sol
Segui para a Vinícola Ventisquero, que, embora fundada em 1998, tem um espírito jovem e inovador. A propriedade possui vinhedos em diversas regiões do Chile, do Vale do Maipo ao Deserto do Atacama, explorando climas e altitudes distintas para extrair o melhor de cada terroir.
Em Colchagua, visitei o espaço Sunset, onde o enoturismo se mistura com contemplação e respeito ambiental. Foi um dos momentos mais poéticos da viagem: o céu espetacular, os vinhos e a explicação cuidadosa da equipe sobre a filosofia de mínima intervenção.
A Ventisquero é reconhecida por seu compromisso com a sustentabilidade e por desafiar os limites do cultivo. Seus vinhos refletem essa ousadia e são uma verdadeira homenagem à resiliência das videiras chilenas.
Vinícola Montes: tradição sonora e alma Carménère
Na Vinícola Montes, tradição e sensibilidade caminham juntas. Fundada em 1987 por Aurelio Montes e Douglas Murray, foi uma das grandes responsáveis por colocar os vinhos chilenos no mapa mundial de qualidade. Localizada em Apalta, uma das sub-regiões mais prestigiadas do Vale de Colchagua, a propriedade impressiona pela paisagem: colinas cobertas de vinhas bem cuidadas, vegetação nativa preservada e uma arquitetura que se integra à natureza. Mas o que realmente diferencia a Montes é a sua filosofia espiritual e inovadora de produção.
Ali, a conexão entre vinho e espiritualidade se faz presente: as barricas descansam ao som de canto gregoriano, em uma sala com iluminação baixa e atmosfera meditativa. Segundo estudos da própria vinícola, as vibrações sonoras ajudam a acalmar os vinhos durante a maturação. Uma curiosidade que aprendi ali: a Montes foi uma das primeiras vinícolas a apostar na Carménère quando a uva ainda era desacreditada por muitos.
Outro destaque foi a degustação vertical que fiz com diferentes safras do icônico vinho Purple Angel. É fascinante perceber como o tempo refina o caráter de um vinho — como ganha elegância, profundidade e uma nova voz a cada ano que a. Provei as safras 2011, 2013, 2014 e 2015 e é impossível escolher a melhor, todas têm uma única.
Para completar a experiência, almocei no restaurante da vinícola, o Fuegos de Apalta, onde Francis Mallmann imprime sua marca inconfundível. Conhecido por sua cozinha de fogo e seu respeito pelos ingredientes, traz à mesa carnes perfeitamente preparadas, vegetais rústicos e empanadas recheadas a perfeição. Tudo isso harmonizado com vinhos da casa, criando uma conexão poderosa entre o sabor e o lugar. O ambiente e o cheiro inconfundível da lenha queimando no forno completam a experiência.
A Montes é, sem dúvida, uma vinícola que une tradição e inovação com sensibilidade. Saí de lá com a certeza de que vinho bom é aquele que conta histórias — e, ali, há muitas!
Vinícola Ravanal: tradição familiar e vinho com as próprias mãos
A última vinícola do roteiro foi a Viña Ravanal, uma verdadeira joia familiar que possui uma longa história enológica iniciada em 1950, quando Mario Ravanal começou a plantar suas primeiras videiras.
Atualmente, a vinícola cultiva cerca de 140 hectares e se orgulha de produzir 100% dos vinhos com uvas próprias — algo raro na região. Alcançam até 1,5 milhão de garrafas por ano, sendo o Brasil seu principal destino de exportação.
O ponto alto da visita foi participar de uma experiência prática: criamos nosso próprio vinho. Essa experiência fantástica e divertida vale ser vivida. O meu grupo apresentou um blend de Carménère, Merlot e Cabernet Sauvignon, sendo escolhido pelo enólogo e pela proprietária da vinha como destaque entre os participantes. Um momento de aprendizado, diversão, orgulho e, acima de tudo, conexão real com o vinho.
Carménère: a uva renascida no Chile
Encontrada por acaso em vinhedos de Merlot no início dos anos 1990, a Carménère foi identificada por especialistas ses como uma variedade que havia desaparecido na Europa desde o século 19. O solo chileno, seco e protegido pela Cordilheira dos Andes, permitiu que a uva sobrevivesse sem saber que era rara — até ser oficialmente reconhecida em 1994.
Desde então, se tornou uma espécie de embaixadora dos vinhos chilenos. Com taninos sedosos, cor intensa e notas de frutas vermelhas e especiarias, a Carménère é versátil e elegante. Não à toa, o Chile é responsável por cerca de 90% da produção mundial dessa variedade.
E para celebrar essa história de reencontro e renascimento, em todo 24 de novembro é comemorado o Dia da Carménère no Chile — um marco que simboliza o orgulho nacional por essa uva resiliente, sofisticada e, de certa forma, milagrosamente preservada pela geografia.
O Chile que pulsa nos sentidos
Essa jornada, além de um roteiro turístico, foi uma experiência pulsante, onde cada paisagem, taça e prato me colocaram em contato direto com a alma vibrante do Chile. Este é um destino que se revela por inteiro a quem se permite vivê-lo com todos os sentidos. Quando chegar a sua vez de embarcar, saiba: há um país inteiro pronto para te emocionar a cada o. Escolha seu voo, trace sua rota e simplesmente se deixe levar.
Serviço
A LATAM oferece seis voos diretos de Porto Alegre a Santiago e Santiago a Porto Alegre às sextas, às terças e aos domingos.