Antônio foi baleado uma semana antes das Bodas de Ouro, que seriam comemoradas com missa. A efeméride foi lembrada no hospital (onde ele ficou por oito dias em coma), sem qualquer cerimônia. Da aliança, Sueli fez três pingentes com a letra A, entregues para cada filho.
— No começo, foi desesperador. Eu só chorava. Ele era saudável, estava bem. Eu imaginava que ficaríamos juntos até bem velhinhos —afirma.
A psicóloga e professora da PUCRS Ângela Seger pondera:
— A morte abrupta é mais impactante. Quando a pessoa está doente, os familiares, embora sofram também, conseguem se preparar e até se despedir.
Ângela considera natural a adoção de estratégias que mantenham as pessoas emocionalmente equilibradas. Há quem continue com as rotinas anteriores para homenagear quem morreu. A psicóloga alerta que uma vida cheia de privações pode ser nociva. No luto prolongado, não se consegue retomar as atividades, o trabalho, o lazer. Os sintomas podem ser consumo excessivo de álcool, isolamento, reclusão, perda ou ganho de peso, insônia e sono demasiado por longo período.
— É como se a vida do enlutado também tivesse acabado. Manifestações assim são normais no início, mas, em algum momento, precisam diminuir. Quando não se supera esse estágio, há problema — diz a psicóloga.
Não há um tempo padronizado para acomodar a dor, mas Ângela diz que o primeiro ano tende a ser o mais difícil. É o primeiro Natal, o primeiro Dia das Mães, dos Pais, dos Namorados, o primeiro aniversário de casamento e de morte:
— Para muitos, o primeiro ano é o marco. Entendem, ao final dele, como se tivessem sobrevivido. Outras demoram mais. Dois, três anos. É importante que familiares e amigos estejam atentos e procurem ajuda se perceberem sintomas além do esperado.
A técnica em enfermagem Débie Henrich, 31 anos, reconhece que ter podido se despedir foi determinante para aceitar a perda do pai. Nos anos que antecederam sua morte, o cinquentão Gregório Henrich teve dois acidentes vasculares cerebrais (AVCs) que o debilitaram. ou a ficar a maior parte do tempo deitado e a ter dificuldade em enxergar. Em novembro de 2015, três dias depois de um infarto, seu coração parou para sempre. ara seus últimos momentos em um leito hospitalar em Novo Hamburgo, no Vale do Sinos.
— Fazia uns dois anos que estava assim, nessa situação. Sabíamos que o coração estava fraco e que poderia acontecer a qualquer momento. Então, eu vinha me preparando para isso. Tanto que, quando chamamos a ambulância, eu sabia que ele não voltaria — lembra Débie.
Por ter se aproximado mais do pai nos últimos anos e se despedido dele ainda em vida, a filha conseguiu assimilar melhor sua morte. Hoje, sente-se bem quando lembra do churrasco que ele assava e das sopas que fazia.
— Eu sabia que aquilo não era vida. Que não era mais ele. Sempre foi de estar na rua, em festas — lembra, ao dizer que suas cinzas foram jogadas no mar.
O psicólogo e pesquisador americano J. William Worden, autor de livros como Aconselhamento do Luto e Terapia do Luto, diz que o luto é um processo universal que, inevitavelmente, todos terão de ar. Para entendê-lo, é preciso avançar por cada uma de suas quatro fases: aceitar a realidade da perda, elaborar a dor, ajustar-se ao ambiente onde está faltando a pessoa que morreu e reposicionar-se em termos emocionais para continuar a vida.
Conversar, lembrar, chorar e ficar triste fazem parte do processo de aceitação. ar por essas fases torna-se menos penoso quando o enlutado entende como genuínas as vontades de ficar sozinho ou rodeado de amigos, falar muito ou silenciar, perder o apetite ou comer além da fome, ter insônia ou excesso de sono. É o chamado luto agudo, nomeia Erika Pallottino, do Instituto Entrelaços. Mais cedo ou mais tarde, no entanto, essa desorganização emocional precisa enfraquecer para que a retomada das atividades cotidianas aconteça. Procurar amigos, familiares e até conforto espiritual ajuda nesse processo.
A psicóloga Ângela Seger lembra que o luto é um processo natural, influenciado por cultura, características familiares, personalidade e ligação com quem morreu. Por tudo isso, não há padrão comportamental nem tempo pré-definido de duração. A professora da PUCRS conta que de 80% a 90% das pessoas conseguem superar a perda, uns com mais outros com menos dificuldade. Haverá idas e vindas, dias de tristeza e alegria. As pessoas tendem a sentirem-se culpadas por não terem estado mais perto, ficarem com raiva de si e até da pessoa que morreu. Há quem se sinta culpado, inclusive, por estar com raiva.
— Nesses casos, não é preciso nenhuma intervenção psicológica. O sofrimento é natural, esperado — diz Ângela.